segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pra começo de conversa

Saudações companheiros! Estamos aqui lançando a pedra fundamental deste blog que consiste num meio para a propagação e instrumentalização das articulações do coletivo kaoso,que por sinal é o nome deste blog também. “Kaoso” é uma palavra em esperantoque significa “caos”. É um nome de significado bem abrangente, uma licençapoética que representa bem nossas inquietações diante das convulsões sociais edo amesquinhamento de todas as esperanças pelas ideologias do fim da história.

Optamos por um nomeque nos representasse de forma mais aberta e subjetiva, em vez das tradicionais siglas, como tantas existentes, por entender que fazemos parte de uma realidade maior, cujo processo dialético é muito mais amplo do que suspeitamos corriqueiramente. Nossos objetivos, desta forma, embora carregados deobjetividades e convicções, não estão reduzidos a isso. Entendemos que arealidade não é um processo estanque e, portanto, nosso entendimento destatambém não pode ser. Nossa vocação é tanto para a luta, quanto para ainvestigação, tanto para a ação, quanto para a reflexão. Até porque não podemos conceber nenhuma articulação em que estes elementos encontram-se separados. Estes posicionamentos encontram-se refletidos na elaboração deste blog.

Existem, claramente,inúmeros blogs espalhados pelo (cyber) mundo afora, com os mais diversos fins. Dentro de uma realidade onde tudo é concebido para ser descartável, aproliferação dos blogs também dá-se de forma banal. Então por que elaborar maisum blog dentro desta realidade de superlotação e ultra-banalização?

Parcialmente podemos responder a esta pergunta a partir de nossas próprias limitações. Em um mundo onde a carência de recursos cria uma série de interdições, a mídia digital oferece algumas perspectivas que, acreditamos, parecem oportunas utilizarmos. O blog é um recurso relativamente simples de se criar e de se acessar. A disponibilidade do recurso constitui, em si mesma, um atrativo para o seu uso, embora este também tenha suas limitações.

Como recurso para acomunicação (que é, afinal de contas, a função primordial de um blog) cria-se possibilidades bastante alvissareiras. Publicar em um blog significa, em tese, disponibilizar o conteúdo à maior parte do mundo, suprimindo, em algunscliques, distâncias que, em um passado recente, demorariam semanas, ou até meses, para serem percorridas.

Em termos de custos financeiros, também podemos contabilizar algumas vantagens. É um recurso que pode-se manusear com custos baixíssimos, o que por si só já torna-se vantajoso.

No final da década de 1970, a produção artesanal de revistas, conhecidas vulgarmente como fanzines, representavam a vanguarda do espírito do faça-você-mesmo e da democratização da informação e da comunicação. Neste século, os veículos digitais, de seu modo, representam a continuidade deste espírito, que, desejamos, esteja sempre presente conosco.

Evidentemente não podemos perder o foco. A constituição de um blog não acarreta, necessariamente, na superação da desigualdade diante do acesso a informação. No máximo ajuda a minimizar algumas disparidades. Não podemos ignorar que vivemos num país onde as desigualdades imperam com muita força. Muitos encontram-se marginalizados política, econômica e socialmente. Muitos não têm acesso à educação, mesmo de má qualidade. Muitos não têm sequer o que comer.  Somos, majoritariamente, um povo sub-nutrido; inclusive intelectualmente.

Talvez a maior limitação para um veículo digital como um blog, mais ainda no nosso caso, seja a de que as pessoas a que seria realmente conveniente o acesso encontram-se excluídas deste recurso. Não podemos nos iludir e saber mensurar, quantitativae qualitativamente, a envergadura de nosso alcance. Isto nos trás a compreensão de que um blog, por melhor que este seja, é um canal que trás consigo algumas limitações, que este é um meio, não um fim em si mesmo. Um blog, dentro de uma perspectiva de construção política e/ou de engendramento de uma intelectualidade orgânica e militante não substitui a ação direta ou o concretamente vivido. No máximo o complementa. O buraco, como todos sabem, é muito mais embaixo.

Desta forma, este blog é um recurso a mais, numa realidade onde não podemos dispensar nenhum recurso. É algo que contamos quando não podemos contar com quase nada. É o pouco de onde acreditamos poder fazer muito. Com toda a razão e com todo o tesão.

A luta concreta do dia-a-dia, aquela que concebemos e produzimos, continua, mais do que nunca, validada pela experiência direta. A proliferação dos espaços virtuais, ao contrário dom que ventilam alguns, não tornou obsoletas as necessidades concretas das pessoas. Estas necessidades precisam de respostas diretas para ser superadas e isto ultrapassa, em muito, as possibilidades de qualquer blog.

Dentro desta situaçãode múltiplas necessidades e múltiplas possibilidades este espaço foi concebido como difusor de concepções que, acreditamos, estejam na ordem do dia, não por estarem em voga, mas por serem necessárias diante do papel exercido pelas forças de contenção existentes, sejam estas de ordem política, econômica,culturais ou intelectuais.

Estas forças decontenção que enfrentamos não podem, de forma alguma, serem minimizadas. Elas atuam conjuntamente e contribuem decisivamente para a manutenção do status quo, do poder classista que assegura as desigualdades decorrentes da expropriação da grande maioria.

Estas forças atuamnos mais diversos campos e nos mais diferentes níveis. As burocracias, com todos os seus tentáculos, abarcam uma parcela muito significativa de nossa existência. A burocracia política, encastelada em determinado sentido de democracia, que concede direitos formais, mas perpetua as interdições aos mesmos em seu exercício direto, responde diretamente ao grande capital. As burocracias sindicais atuam para a contenção das massas trabalhadoras. As burocracias acadêmicas responsabilizam-se em perpetuar a estruturação do sabera serviço dos poderes constituídos.

Todas, conjuntamente,como mencionado, atuam na perpetuação da manutenção do poder classista. São, agrosso modo, instrumentos a serviço dos detentores dos macro-poderes. Cabe aos desvalidos criar os seus mecanismos de resistência. É isso que nos cabe fazer.

Acreditamos não só ser possível, como extremamente necessário, construir a perturbação desta ordem, em seus mais diversos campos. Para isso o pensamento e a ação concreta devem estar em processo de mútua instigação e em crescimento contínuo. É salutar, dessa forma, que a produção intelectual esteja empenhada na superação da ordem sedimentadora da sociedade de classes e desenvolver-se, não como um campo neutro, mas como um terreno fértil para as mais diversas inquietações. Inquietações estas que em nenhum momento supomos como distanciadas de nossas crises sociais, mas que são formuladas diretamente no olho da tempestade. 

O Kaoso, embora seja um coletivo surgido no âmbito das academias, até porque surgiu como formade dar prosseguimento às lutas iniciadas na nossa atuação dentro do movimento estudantil, não se restringe ao espaço destas. Compreendemos que a articulação burocrática das academias deve ser destruída em proveito de algo muito maior. Aacademia não pode ser concebida de forma unicamente auto-centrada, mas como um instrumento para a superação das atuais condições de miséria e desigualdade enão para a perpetuação destas. As academias devem ser uma ponte, não um fim. Éum espaço que também deve ser superado. Devemos confrontar as próprias noçõesde cientificidade existentes. O debate é fundamental para que o conhecimento crítico possa elevar-se, em detrimento do exercício submisso da produção científica.

Isto não quer dizer que aquilo que produzimos deve ser manipulado por nossas paixões políticas, mas relacionar-se criticamente com estas. A realidade é um campo muito maior que esta ou aquela posição. Aquilo que produzimos reflete esta realidade, inclusive em nível de confronto. Não existe campo neutro. Não podemos mentir para as pessoas deste modo. Temos consciência que qualquer produção engendre-se dialeticamente com todos os seus aspectos correlacionando-se, friccionando-se e isto constitui o todo. Propomos o exercício pleno da filosofia de práxis. Desta forma, atuamos cientes de nosso papel classista na luta para a superação daprópria da sociedade de classes que gera todas as desigualdades opressoras. Desejamos, do fundo de nossos corações, contar com o apoio e a compreensão detodos e todas. É isso aí. Por enquanto é só. Por enquanto.